quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Protesto Pela Nova Roupa


Eu queria um beijo doente.

Não um destes que o mundo

já cansou.

Quem sabe a flor não é já outra...

Quem sabe o sol não é já outro

e precisamos mudar de roupa

que é pra não morrer o calor...

Eu queria um abraço sangrado,

destes que o tamanduá a bandeira

afaga – a faca que mata bem.

Por isso o amor com cara

de boi da cara preta...

Por isso o tribunal infestado de réus:

“Liberdade, liberdade, liberdade”!

Mal sabem que é gaiola!

Eu só queria agora

o silêncio das coisas...

19. VII. 08

Foto Poesia

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

CARTAS

Têm dias em que, deitados sobre as paredes da memória, relemos nestes murais, antigas cartas que a hora da vida não corrói, nem os olhos, mesmo fechados nunca deixam de contemplar.
Enxergamos um sorriso que se desenhou lá na imaturidade, na ingenuidade dos atos, na imortalidade daqueles atos. E este sorriso desenhado não se traduz nas palavras escritas nas cartas, nem se reduz na distância entre o mesmo e as próprias cartas, antes, perdura na contemplação de uma imagem estática ao passo que se movimenta, na reflexão mais profunda de palavras aparentemente mortificadas, mas que em sua essência guarda a essência do que hoje somos, ou do que hoje supomos que seja o nosso ser.


E o que seríamos? Sem estas
doces sementes o que seríamos?
Percorreríamos florestas
infestadas de sombras mortas.
Tropeçaríamos sem mesmo notar
que aquele obstáculo nada mais
era que o nosso desejo de ser
mais que o próprio Mistério.
De ser mais que o que precisamos.
De ser mais, apenas ser mais.


E nesses dias, onde repousamos a cabeça sobre o vasto campo das memórias, recobramos as atitudes que hoje tomamos. Não sorriríamos sem que sorrir não nos fosse agradável e não seria agradável sorrir se em nosso ser não houvesse um afago especial, construído desde o momento primeiro dos desejos e aspirações. Até a paz que nos parece possível nos foi plantada numa placenta. Assim como a sua inexistência fora formada ao romper de luzes e mundos até então estranhos a nós. E toda estrada proposta nos é hoje o que somos, ou que supomos que seja o nosso ser.



E o que seríamos? O que seríamos
se em nosso campo a terra fosse dura?
E não abraçasse o germinar de uma vida
que cresce e se torna uma floresta iluminada.
Porque é aí onde se esconde o equilíbrio
necessário para estarmos vivos, até
que venha o que é Perfeito.


19. X. 08. Feira de Santana, Ba.

Barco Pequeno

Através do teu sorriso
vejo o meu futuro.
Posso assim, sorrir contigo.
Porque o teu sorriso
é um mar de tantas coisas...
E o meu sorriso navega,
transformando-se num barco
pequeno... Longe...

Quando o teu sorriso
não se abre
o meu céu se fecha
derramando à terra
a seca chuva, e me molha.
Busco
tua forma esquecida
num infinito.
Este pequeno barco esquecido.

08. VI. 08.

AUTO-RETRATO


Nem sei mesmo o que pensar sobre isso.

Sei que encarar-me é tão perigoso quanto parece.

Porque há noites em que os leões saltam

e invadem os lençóis de minhas idéias

e é preciso ser mais alto para sobrepujar

ou mais baixo para nem ser notado.

Mas prefiro estar ao centro:

cara a cara, olho por olho,

idéia por idéia.


E pela manhã,

onde o mar bate nas nuvens,

não há leões, nem mesmo os seus cadáveres,

nem mesmo o eu que costumava enxergar.

Há, sobretudo, o eu que houve, há e haverá,

como aquele orvalho sorrindo em minhas mãos:

este beijo dizendo que o céu é mais bonito

quando é dia, pra que a lua e as estrelas existam

e quando é noite, para que o sol, as nuvens, tudo,

tudo seja mais essencial, mais verdadeiro.


E Tu, ó Estrela Celeste,

habitas em mim,

sendo o que sei que sou

e não seria sem que fosses o que és.

E caminhar por Tuas brisas faz-me ver a vida

como ela é: dotada de esperanças;

de gotas dos mares fosforescentes que estão a cima de nós:

e não sou mais eu este eu.

Sou eu dotado de Ti.

sábado, 14 de junho de 2008

O ENTERRO DO NEGRO

Chove, aos pomposos, guarda-chuvas

negros.

Uma marcha fúnebre encaminha o

cortejo.


No caixão garboso, meu corpo

negro.

O peito parado nas mãos postas,

nele.


E o cortejo chorando a morte

do negro.

Duas mãos sustentam o meu caixão à ala

esquerda;

outros à ala direita, à frente, meu irmão

negro.


E a marcha fúnebre levando o

cortejo.
Minha mãe coitada, o corpo todo

negro.


Os lábios trêmulos, os olhos vermelhos

e estreitos.

– Não chora, mãe, afinal é só mais um

negro!.


Quanta multidão de ninguém no meu

enterro.

Uns passos lentos, uns cochichos velam

o negro.

O céu derramando seus pêsames ao meu

enterro negro.


05/ 06/ 08

Horizontes

Meu horizonte tem um verde azul cristal.

Tem um sol vivo sobre luzes de um espelho.

Uns olhos tenros outros ávidos vermelhos.

E uma alma cândida pueril de fogo e sal.


Meu horizonte tem um monte divinal.

De sons de anjos e asas auras e anseios.

Lá bem longe além muito além um devaneio:

um beijo ingênuo de uma aurora boreal.


Deito-me inspirativo às línguas de estremes

bálsamos - sonhos juvenis e langorosos.

E navego, navego em naus de imanes lemes.


E olho o meu horizonte como alguém que geme

mirando um mar constantemente nebuloso.

E caminho, caminho, ando inerte e sempre...


8 de junho de 2008